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Estabeleça um paralelo entre as respostas que cada um dos - UNESP 2011
Velho Tema – 1
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
(Vicente de Carvalho. Poemas e Canções. 5 ed. São Paulo: Monteiro Lobato & C. – Editores, 1923.)
Cancioneiro, 150
Não sei se é sonho, se realidade,
Se uma mistura de sonho e vida,
Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do sul se olvida.
É a que ansiamos. Ali, ali
A vida é jovem e o amor sorri.
Talvez palmares inexistentes,
Áleas longínquas sem poder ser,
Sombra ou sossego deem aos crentes
De que essa terra se pode ter.
Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,
Naquela terra, daquela vez.
Mas já sonhada se desvirtua,
Só de pensá-la cansou pensar,
Sob os palmares, à luz da lua,
Sente-se o frio de haver luar.
Ah, nessa terra também, também
O mal não cessa, não dura o bem.
Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri.
(30.08.1933)
(Fernando Pessoa. Obra poética. Rio de Janeiro: Aguilar Editora, 1965.)
A felicidade existe? – Como encontrar a felicidade? Estabeleça um paralelo entre as respostas que cada um dos poemas apresenta a estas duas questões.
Solução
Conforme o poema de Vicente de Carvalho, a “árvore milagrosa”, que representa o nosso ideal de felicidade, “existe, sim”, e parece estar a nosso dispor, no sentido de ser disposta por nós. Nós, porém, sempre a dispomos para além do nosso alcance, sempre a colocamos lá, não aqui – e esta, segundo se depreende do poema, é uma contingência inelutável da vida, pois “sempre” agimos assim e “nunca” de outra forma. Portanto, a conclusão autorizada pelo poema de Vicente de Carvalho é algo paradoxal: a felicidade existe, mas é nosso destino nunca a alcançar.
No poema de Fernando Pessoa, a “ilha extrema ... a que ansiamos”, a ilha em que situamos a nossa felicidade, é toda irrealidade e idealização. O alento que pode dar aos que a idealizam (os “crentes”) é pura - mente conjectural (“talvez”, palavra três vezes repetida na segunda estrofe). A resposta que este poema oferece à pergunta proposta é que a felicidade não existe tal como (ou onde) a idealizamos: “Não é com ilhas do fim do mundo, / Nem com palmares de sonho ou não, / Que cura a alma seu mal profundo.” Não obstante, a felicidade pode existir, desde que não seja buscada lá nas ilhas distantes, mas no espaço de interioridade que o poema designa como “coração”: “É em nós que é tudo. É ali, ali, / Que a vida é jovem e o amor sorri.”
É comum aos dois poemas a negação do lá como espaço da felicidade. Esta, segundo ambos, só pode estar aqui. Por isso, para o poema de Vicente de Carvalho, nós não a temos; por isso também, conforme o poema de Fernando Pessoa, não é impossível que a tenhamos.
Assuntos: Vicente de Carvalho, Poemas
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