Disciplina: Língua Portuguesa 0 Curtidas
A não onisciência do narrador das Memórias de um - UNIFESP 2024
Leia um trecho do romance Memórias de um sargento de milícias, do escritor Manuel Antônio de Almeida, para responder a questão
Cremos, pelo que temos referido, que para nenhum dos leitores será ainda duvidoso que chegara ao Leonardo a hora de pagar o tributo de que ninguém escapa neste mundo, ainda que para alguns seja ele fácil e leve, e para outros pesado e custoso: o rapaz amava. É escusado dizer a quem.
Como é que a sobrinha de D. Maria, que a princípio tanto desafiara a sua hilaridade por esquisita e feia, lhe viera depois a inspirar amor, é isso segredo do coração do rapaz que nos não é dado penetrar: o fato é que ele a amava, e isto nos basta. Convém lembrar que se pela sorte de um pai se pode augurar1 a de um filho, o Leonardo em matéria de amor não prometia decerto grande fortuna. E com efeito, logo depois da noite do fogo no Campo2, em que as coisas começavam a tomar vulto, principiou a roda a desandar-lhe em quase todos os sentidos. Luisinha, uma vez extinto o entusiasmo que, suscitado pelas emoções que experimentara na noite do fogo, a acordara da sua apatia, voltara de novo ao seu antigo estado: e, como de tudo esquecida, na primeira visita que o barbeiro e o Leonardo fizeram a D. Maria depois desses acontecimentos, nem para este último levantara os olhos; conservara-se de cabeça baixa e olhos no chão.
(Memórias de um sargento de milícias, 2003.)
1 augurar: adivinhar.
2 fogo no Campo: referência à Festa do Divino (celebração religiosa de origem católica), comemorada com fogos de artifício.
A não onisciência do narrador das Memórias de um sargento de milícias está bem exemplificada no seguinte trecho:
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“é isso segredo do coração do rapaz que nos não é dado penetrar” (2.o parágrafo).
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“É escusado dizer a quem” (1.o parágrafo).
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“o fato é que ele a amava, e isto nos basta” (2.o parágrafo).
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“pela sorte de um pai se pode augurar a de um filho” (2.o parágrafo).
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“principiou a roda a desandar-lhe em quase todos os sentidos” (2.o parágrafo).
Solução
Alternativa Correta: A) “é isso segredo do coração do rapaz que nos não é dado penetrar” (2.o parágrafo).
A resposta correta para a pergunta é a alternativa a) “é isso segredo do coração do rapaz que nos não é dado penetrar”. Nesse trecho, o narrador expressa explicitamente a limitação de seu conhecimento sobre os sentimentos mais profundos de Leonardo, indicando que não pode acessar ou entender o que se passa em seu coração. Essa frase revela a não onisciência do narrador, que, ao contrário de um narrador onisciente, admite a impossibilidade de penetrar na intimidade emocional do personagem.
O uso da expressão "segredo do coração" enfatiza essa falta de acesso, criando um contraste entre a narrativa e o que o leitor pode esperar de um narrador onisciente, que geralmente conhece todos os pensamentos e sentimentos dos personagens. O narrador, ao reconhecer sua limitação, também sugere que a experiência do amor é complexa e misteriosa, o que se alinha com as dificuldades e incertezas que frequentemente cercam os relacionamentos humanos.
Dessa forma, essa passagem exemplifica bem a estratégia narrativa de Manuel Antônio de Almeida, que opta por um narrador que, embora próximo dos eventos, não possui uma visão total e absoluta dos sentimentos dos personagens. Isso contribui para a construção de um enredo mais dinâmico e realista, onde a interioridade dos personagens permanece em parte obscura até mesmo para o próprio narrador. Portanto, a alternativa a é a mais adequada para ilustrar a não onisciência do narrador.
Institução: UNIFESP
Ano da Prova: 2024
Assuntos: Interpretação Textual
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