Disciplina: Língua Portuguesa 0 Curtidas
Em “perguntando-lhe como se havia de curar do tédio que - UNIFESP 2022
Para responder a questão, leia o trecho inicial de uma crônica de Machado de Assis, publicada originalmente em 17.07.1892.
Um dia desta semana, farto de vendavais, naufrágios, boatos, mentiras, polêmicas, farto de ver como se descompõem os homens, acionistas e diretores, importadores e industriais, farto de mim, de ti, de todos, de um tumulto sem vida, de um silêncio sem quietação, peguei de uma página de anúncios, e disse comigo:
— Eia, passemos em revista as procuras e ofertas, caixeiros desempregados, pianos, magnésias, sabonetes, oficiais de barbeiro, casas para alugar, amas de leite, cobradores, coqueluche, hipotecas, professores, tosses crônicas...
E o meu espírito, estendendo e juntando as mãos e os braços, como fazem os nadadores, que caem do alto, mergulhou por uma coluna abaixo. Quando voltou à tona, trazia entre os dedos esta pérola:
“Uma viúva interessante, distinta, de boa família e independente de meios, deseja encontrar por esposo um homem de meia-idade, sério, instruído, e também com meios de vida, que esteja como ela cansado de viver só; resposta por carta ao escritório desta folha, com as iniciais M.R...., anunciando, a fim de ser procurada essa carta.”
Gentil viúva, eu não sou o homem que procuras, mas desejava ver-te, ou, quando menos, possuir o teu retrato, porque tu não és qualquer pessoa, tu vales alguma coisa mais que o comum das mulheres. Ai de quem está só! dizem as sagradas letras, mas não foi a religião que te inspirou esse anúncio. Nem motivo teológico, nem metafísico. Positivo também não, porque o positivismo é infenso às segundas núpcias. Que foi então, senão a triste, longa e aborrecida experiência? Não queres amar; estás cansada de viver só.
E a cláusula de ser o esposo outro aborrecido, farto de solidão, mostra que tu não queres enganar, nem sacrificar ninguém. Ficam desde já excluídos os sonhadores, os que amem o mistério e procurem justamente esta ocasião de comprar um bilhete na loteria da vida. Que não pedes um diálogo de amor, é claro, desde que impões a cláusula da meia-idade, zona em que as paixões arrefecem, onde as flores vão perdendo a cor purpúrea e o viço eterno. Não há de ser um náufrago, à espera de uma tábua de salvação, pois que exiges que também possua. E há de ser instruído, para encher com as coisas do espírito as longas noites do coração, e contar (sem as mãos presas) a tomada de Constantinopla.
Viúva dos meus pecados, quem és tu que sabes tanto? O teu anúncio lembra a carta de certo capitão da guarda de Nero. Rico, interessante, aborrecido, como tu, escreveu um dia ao grave Sêneca, perguntando-lhe como se havia de curar do tédio que sentia, e explicava-se por figura: “Não é a tempestade que me aflige, é o enjoo do mar”.
Viúva minha, o que tu queres realmente, não é um marido, é um remédio contra o enjoo. Vês que a travessia ainda é longa — porque a tua idade está entre trinta e dois e trinta e oito anos —, o mar é agitado, o navio joga muito; precisas de um preparado para matar esse mal cruel e indefinível. Não te contentas com o remédio de Sêneca, que era justamente a solidão, “a vida retirada, em que a alma acha todo o seu sossego”. Tu já provaste esse preparado; não te fez nada. Tentas outro; mas queres menos um companheiro que uma companhia.
(Machado de Assis. Crônicas escolhidas, 2013.)
Em “perguntando-lhe como se havia de curar do tédio que sentia” (7.o parágrafo), os termos sublinhados referem-se, respectivamente,
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a Sêneca e a Nero.
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a Nero e ao capitão da guarda de Nero.
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ao capitão da guarda de Nero e a Sêneca.
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a Nero e a Sêneca.
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a Sêneca e ao capitão da guarda de Nero.
Solução
Alternativa Correta: E) a Sêneca e ao capitão da guarda de Nero.
A resposta correta é a alternativa E) porque, no trecho mencionado, a frase "perguntando-lhe como se havia de curar do tédio que sentia" revela claramente a relação entre os personagens citados. O pronome oblíquo "lhe" refere-se a Sêneca, pois é a quem o capitão dirige a pergunta sobre como curar seu tédio. Isso indica que Sêneca é a figura a quem se busca conselho ou orientação.
Além disso, o pronome reflexivo "se" se refere ao "certo capitão da guarda de Nero", que é o sujeito da ação de perguntar. O contexto deixa claro que esse capitão está buscando a ajuda de Sêneca para lidar com sua insatisfação e tédio, refletindo a dinâmica de busca de conselhos de um filósofo por alguém que está enfrentando dificuldades emocionais.
Portanto, a construção da frase estabelece a hierarquia da interação: o capitão, insatisfeito, procura Sêneca, que é descrito como "grave", indicando seu papel como conselheiro e figura respeitada. Assim, fica evidente que os termos se referem, respectivamente, a Sêneca e ao capitão da guarda de Nero, confirmando a alternativa E.
Institução: UNIFESP
Ano da Prova: 2022
Assuntos: Interpretação Textual
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